Até onde a vista alcança
Este trabalho em língua portuguesa, que realizei para a cadeira de Escrita Criativa do Mestrado em Estudos Ingleses, constitui uma das minhas primeiras experiências pelo fabuloso mundo da escrita ficcional.
Para ler (se estiverem com paciência)e pensar...
O dia amanheceu solarengo no bairro dos Barquinhos. Do alto deste monte, os telhados já envelhecidos pelo tempo parecem hoje mais encantadores. As paredes das casas resplandecem numa alvura acentuada pelo sol que se dignou cumprimentar-nos. Já era altura...depois de quase um mês escondido pelas monstruosas nuvens cinzentas e a chuva abundante que tornou as noites dos meus vizinhos pescadores num tormento imensurável, tinha de haver uma bonança.
É bom estar aqui sozinha a gozar a paz que só este mar imenso proporciona. Não sei como seria a minha vida sem o mar, sem ver a azáfama do mestre Augusto e dos outros pescadores, a quem o sol e o sal roubaram anos de vida evidentes na pele enrugada dos seus rostos.
Gosto de ficar assim, a olhar o que parece acabar lá ao fundo, na linha do horizonte. Os problemas parecem evaporar-se e a vida ganha novos contornos aqui no cimo do monte que se ergue sobre esta beleza azul. E o que hoje já tive de ouvir até chegar a este lugar... Ao correr ansiosamente nesta direcção, passei pelo adro da igreja, onde os pássaros chilreavam de alegria e eram a música de fundo para as conversas banais que sempre acontecem quando o tempo meteorológico nos brinda com um dia de Primavera. Não pude deixar de escutar os comentários do costume:
- Pobre Dalila, sempre tão longe da terra. A lua seria o melhor sítio para esta moça viver...
- Que raio de rapariga, sempre a correr sem destino... Para quê tanta pressa?- Enfim, já me acostumei a estes comentários, especialmente se vêem da linguaruda D. Alcina, cuja forma preferida de passar o tempo é observar o tempo dos outros.
Sempre foi assim a D. Alcina. Desde que sou dez reis de gente lembro-me de como, ao jantar, a minha mãe se queixava das bisbilhotices desta nossa vizinha: ou era porque a senhora vinha constantemente à janela sempre que a minha mãe chegava carregada das compras, ou porque se entretinha a falar da nossa vida à vizinhança ou mesmo porque tinha a audácia de fazer as perguntas pessoais mais descabidas que se possa imaginar. Mas, no fundo , é à D. Alcina que devo o facto de ter conhecido a pessoa mais estranha e interessante que já alguma vez sonhei conhecer. Se não fosse a sua língua comprida, nunca uma pessoa como aquela teria descoberto a minha barraquinha dos desejos.
Foi numa manhã luminosa e primaveril como esta, durante a habitual Feira Mensal do Fantástico que, estando eu por detrás do balcão do meu estabelecimento, um homem com umas barbas longas e amareladas, a fazer lembrar a espuma das ondas fundida com a poluição das águas, parou à minha frente exclamando entre dentes:
- O QUE GOSTARIA DE VER? REALIZO O SEU DESEJO NUM ABRIR E FECHAR DE OLHOS. Se for verdade, é isto mesmo que quero...
- Como posso ajudá-lo, caro senhor? - perguntei amavelmente.
- Olhe menina - respondeu-me com uma voz soturna - se o que se propõe fazer for mesmo verdade, vai ser a responsável pela conquista da minha felicidade, após tantos anos.
- Pois é para isso que aqui estou. – respondi . Na minha barraquinha concretizam-se os desejos mais apetecidos dos clientes. Qual é o desejo que lhe fará conquistar a felicidade?
- Desejo ver apenas até onde a vista alcança.- afirmou decidido.
Sem compreender o seu desejo, já que o homem não aparentava sofrer de cegueira, tentei compreender melhor aquele pedido, mas obtive sempre a mesma resposta.
Querendo justificar-lhe a minha estranheza, argumentei que mensalmente me apareciam pessoas com os desejos mais díspares. Uns ansiavam por ver a vida dos vizinhos, a Dona Alcina só não o fez por vergonha, outros queriam ver o que se passava nas longas reuniões do Conselho de Estado ou uma cena erótica. Havia quem simplesmente desejasse ver crianças a sorrir ou idosos a ser alvo de admiração pelos mais novos. No fundo, a minha barraquinha concretizava desejos de ver para além do habitual, mas agora aparecia uma pessoa a pedir para ver apenas até onde a vista alcança. Mas isso não era aquilo que se vislumbrava no pacato dia-a-dia? Para quê pedi--lo numa Feira do Fantástico?
- Menina - explicou calmamente a misteriosa figura - desejo ver as coisas tal como elas são e nada mais. Quero deixar de ver o que o que se passa na mente dos outros. É um martírio insuportável olhar para alguém e ver o que essa pessoa está a pensar porque vejo quase sempre violência, inveja, ganância, egoísmo, enfim, vejo o lado podre da espécie humana. Desloquei-me até esta feira e fui informado por uma senhora que, ao ver-me perdido no meio da confusão, me indicou que o melhor sítio para ver o que desejava era a Barraquinha dos Desejos. Atravessei todo este mar de gente e o meu coração bateu mais forte quando li este letreiro por cima das nossas cabeças - o homem apontava insistentemente para o que estava escrito numa tinta muito gasta sobre uma madeira mais envelhecida do que a própria barraca e que era, de facto, a promessa de ver o que se desejasse.
- Por favor, termine com este meu dom que só me faz um velho infeliz. Deixe-me ver apenas até onde a vista alcança!...- ao dizer isto, o homem baixou-se e pareceu começar a desfalecer. Foi então que saí espavorida do interior da minha barraquinha e lhe dei uma cadeirinha de verga onde costumava sentar-me a ler nos momentos de menor afluência.
Depois de o abanar com insistência e de me certificar que não seria testemunha da morte de um potencial cliente, comecei um discurso que a mim própria me impressionou, e ainda hoje impressiona, pela força extraordinária que consegui imprimir à faculdade da visão:
- Perdoe-me a insistência nas minhas dúvidas, mas não o consigo compreender. A abertura dos olhos é e sempre foi uma abertura ao conhecimento. Para nós, comuns mortais, a visão, com as suas funções normais, já é tão importante... Imagine a sua... Na África Central, a importância dada ao sentido da visão é tanta, que nas poções mágicas usam-se olhos humanos ou mesmo de animais; entre os Egípcios, o olho pintado era um símbolo sagrado, que se pode ainda encontrar em quase todas as obras de arte. O olho é, num sentido universal, o símbolo da percepção intelectual. Se pensarmos nos poderes reais dos seus olhos, então essa visão atinge níveis altíssimos... Que diriam os antigos egípcios se, regressados dos seus sarcófagos monumentais, soubessem que no mundo havia alguém com o maravilhoso poder de ver para além do que a vista alcança?
Durante todo o meu discurso argumentativo, a figura das barbas limitava-se a abanar a cabeça languidamente e após alguns momentos em que apenas se ouvia o bulício da feira com os diferentes pregões a prometer as mais variadas coisas, o homem afirmou de uma forma que denunciava a sua crescente impaciência para me ouvir:
- Menina, só quem não sabe o que é ver o que os outros pensam, diz o que acabou de me dizer. Por exemplo, ao entrar no espaço desta feira, pisei acidentalmente um senhor que, não obstante o meu pedido de sinceras desculpas, me viu, em pensamento, esmagado por uma enorme pedra. E os políticos que ontem na televisão aparentavam discutir civicamente as opiniões divergentes, estavam, afinal, a tentar pensar na melhor forma de destruir a campanha eleitoral um do outro. E a menina, que neste momento parece estar verdadeiramente preocupada com a minha angústia, vê em mim um perfeito idiota e mal agradecido pelo suposto dom que me foi estranhamente concedido.
Naquele momento senti-me verdadeiramente assaltada na minha intimidade e esforcei-me por pensar apenas no belo dia primaveril que espalhava generosamente o astro rei por todo o lado. Mas tudo em vão. O homem continuava a bombardear-me com os meus pensamentos negativos em relação à sua figura. Foi então que gritei:
- Basta! Se o que quer é passar a ver apenas até onde a vista alcança, procure um psiquiatra ou um médico qualquer. O que o senhor vê é certamente fruto da sua imaginação e na minha barraquinha eu proporciono visões fora do normal e bem palpáveis. Lamento, mas não posso ser-lhe útil.
Nesse instante, o homem sugeriu-me que encerrasse momentaneamente o estabelecimento para conversarmos de forma mais recatada. Após alguma insistência, desci os estores da barraquinha e escrevi um bilhete em papel amarrotado onde podia ler-se: VOLTO JÁ.
Nunca hei-de apagar da memória aqueles breves instantes em que segui o estranho homem das barbas. Visto de trás, não parecia tão velho, já que se movimentava agilmente e com decisão. Foi incrível ver como conseguia passar pelas muitas pessoas que, pelo seu elevado número em tão pouco espaço, pareciam engolir-nos desenfreadamente.
- Não quer ser empurrada? - perguntou de forma provocadora a uma senhora de forma generosas que, com o seu volume corporal, obstruía a nossa passagem. - Então tenha o cuidado de dar passagem a quem tem pressa. Não tenho medo do seu marido...
A mulher afastou-se e respondeu com um ar interrogativo:
- Mas eu não disse nada!
- Mas pensou... – respondi imediatamente, compreendendo a situação.
Naquele momento percebi que tinha presenciado o dom do homem das barbas em acção e, quando finalmente parámos numa zona mais sossegada onde se dava comida aos animais, não pude deixar de reparar no seu ar angustiado e tentei tranquilizá-lo. No entanto, a sua angústia parecia aumentar:
- Mas não reparou como fui rude para com aquela pobre mulher cuja única forma de defesa é desejar que o marido alto e gordo esteja ao seu lado para a proteger de homens desagradáveis como eu? – perguntou desgostoso. - É que fiquei assustado com o pensamento dela. O homem era tão grande... Se não visse o que vai na mente dos outros, tinha sido mais cordial, limitando-me a um simples “Dá-me licença?”
Notei , da parte do homem, uma predisposição total para falar e ser ouvido, pelo que lhe sugeri que nos sentássemos na mini-esplanada da caravana das farturas, embora passados alguns instantes me tenha arrependido, ao pensar em como iria conseguir voltar a vestir aquela roupa sem sentir o cheiro enjoativo dos doces fritos. O homem sentou-se e pediu ao empregado que palitava os dentes atrás do balcão dois sumos naturais com gelo. Depois do rapaz nos ter avisado que - Sumos, só de garrafa - resolvemos não ser esquisitos e lá fizemos o moço parar de palitar os restos de fartura dos dentes mal tratados e trazer-nos as bebidas. Antes que eu lhe pudesse perguntar o nome, o homem cortou-me a fala afirmando que não o diria, porque nunca concordara com as pessoas etiqueta. A diferenciação era feita pela personalidade e aspecto físico, não era preciso dar um nome próprio. “Homem das barbas” estava muito bem, o que, uma vez mais me fez sentir totalmente controlada no pensamento. Começou por contar-me que desde pequeno se sentia esmagado pelo poder extraordinário da sua visão. Desde o momento em que facilmente percebeu que não fora um filho desejado, passando pela sua adolescência quando via que nenhum dos colegas de escola tinha paciência para as suas conversas esotéricas, ou quando o seu primeiro amor era afinal uma mulher que ansiava por uma aventura com um excêntrico para depois contar às amigas em sessão de “chá das tias” a experiência alucinante, mas a não repetir, terminando com a angústia do dia-a-dia sempre que via a podridão que pairava nas mentes daqueles que o rodeavam.
- Acha que a minha vida tem sido fácil? Acredita mesmo que, para mim, a abertura dos olhos é sinónimo de alegria todas as manhãs ou que é uma forma de conhecimento intelectual? Ainda pensa que só vejo para além do normal porque tenho uma imaginação fértil? – perguntava abrindo os olhos de forma assustadora.
Aquele era de facto um dia marcante na minha vida. Um homem com um dom extraordinário tentava convencer-me a torná-lo num homem comum e com uma visão humanamente limitada. Nunca me tinha ocorrido que, depois de frequentar o Curso Profissional do Fantástico, na variante de Desejos da Visão, me iria deparar com alguém portador de um desejo tão banal e aniquilador dos meus próprios desejos de ver para além do que a vista alcança. Lembro-me de quando o mestre Mago me disse que não me podia satisfazer o desejo de ver o que os outros pensam, porque, ao fazê-lo, estaria a tornar-me em alguém acima dos comuns mortais e essa omnisciência só devia acontecer em obras literárias, nunca na vida real.
Senti então uma força interior, que nem agora consigo compreender, que me impeliu a afirmar com toda a certeza:
- Pode contar com os meus humildes préstimos, mas apenas se aceitar a troca do seu dom de ver para além do que a vista alcança pelo meu dom de conceder aos outros a visão pretendida.
O homem pareceu não acreditar no que ouvia e abanava a cabeça em sinal de desaprovação. Eu, como que possuída por uma força estranha e dominadora, continuava com a proposta de troca de dons, cada vez mais obcecada:
- Vá, não queria deixar de ver a mente dos outros? Não queria viver sem o sobressalto de ver a próxima desgraça no pensamento de um qualquer? Porque abana a cabeça? Se trocar comigo, passará a ajudar os outros a ver aquilo que sempre viu durante toda a vida: o que está para além do humanamente visível. Quanto a mim, poderei concretizar o meu sonho de criança e ver tudo o que os olhos dos outros não alcançam. Será uma troca em nome da felicidade mútua, não lhe parece?
O cheiro a farturas era cada vez mais insuportável e o calor que vinha de dentro de mim tornava-se sufocante. O homem das barbas olhava-me mais assustado do que chocado e, de repente, explodiu numa choradeira convulsiva que parecia nunca mais ter fim. Os seus ombros tremiam como varas verdes e a cabeça larga parecia agora um ratinho assustado que quase desaparecia por entre as pernas longas e vestidas com umas calças que, só então eu reparara, estavam repletas de remendos e nódoas na zona dos joelhos. Ao vê-lo numa consumição crescente, não consegui evitar sentir pena daquela figura com um ar desesperado e perdido no meio de tanto sofrimento. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, tal como já acontecera, o homem das barbas adiantou-se:
- Não me tente consolar! A menina não percebeu nada. Como é possível ter pena de mim porque me vê neste estado e, mesmo assim, querer ter o meu maldito dom. Troca de dons? Nunca! Tudo o que quero é sentir a prazer de ser normal sem qualquer característica extraordinária. Esse Curso do Fantástico que tirou serviu-lhe para ser feliz? Sente-se realmente bem porque tem o dom de conceder aos outros a visão pretendida? Então continue! Não quero o seu dom e prefiro nunca deixar o meu a transferi-lo com todo o meu sofrimento para outro ser humano. Não volte a pensar em tal acordo. Nunca queira ver mais do que a vista alcança em termos físicos. Procure antes descobrir o belo onde o feio e o mau parecem imperar. Veja e sinta os prazeres da vida de forma sublime, dando largas à imaginação e captando a segunda verdade das coisas. Não veja o óbvio, veja o que se esconde por detrás da aparência. Use o seu intelecto. Mas nunca sonhe sequer em ver a mente dos outros. Isso é viver com um sentimento de culpa constante por entrar na privacidade alheia, por ver o mal que paira no pensamento humano – fez um pausa sugerindo reflexão e continuou:
- Disse-lhe, no início da nossa conversa, que queria ver apenas até onde a vista alcança. Referia-me àquilo que a vista pode alcançar fisicamente. Queria passar a interpretar aquilo que normalmente se vê todos os dias. O meu sonho é olhar para alguém e, tal como o comum dos mortais, não ver o que vai na sua mente, mas ter a maravilhosa capacidade que me falta para interpretar os seus movimentos, o seu olhar e ter vontade de privar com essa pessoa para a conhecer melhor. No fundo, quero poder usar aquilo que nos distingue dos animais: a razão e a imaginação. – olhava-me de forma cada vez mais fixa e envolvente
- No entanto – continuou - depois de a ouvir, percebi que não consegue satisfazer o meu desejo, se não o fizer através de uma troca de dons. É com muita dor que constato ter perdido a última oportunidade que me restava para realizar o meu sonho. Mas não perdi a ocasião de ser feliz porque vou continuar com o meu maldito dom e sofrer sozinho. Nunca seria capaz de comodamente transferir o sofrimento da minha existência - ao dizer isto, levantou-se lentamente enquanto eu sentia uma chuva de emoções sobre a minha mente. Não conseguia raciocinar depois do que acabara de ouvir. Várias vozes cruzavam-se dentro de mim. Umas diziam-me:
-Bem feito!
Outras gritavam:
-Barraquinha dos Desejos...
-Não queiras ver a mente!
-Não queiras ser como ele!...
Lentamente fui recuperando e senti que a razão parecia acenar-me do fundo do cérebro. Tudo se tornara subitamente claro. Que tonta e gananciosa fora ao desejar um dom extraordinário como o daquele homem que só fazia sofrer... E, ao chegar a tal conclusão, olhei para a minha frente com o intuito de lhe agradecer o acto profundamente altruísta que tivera ao poupar-me ao sofrimento e continuar ele a padecer daquele dom maldito que atrofiava os poderes intelectuais e destruía qualquer sentimento de felicidade e auto-estima. Mas, tarde demais. O homem desaparecera da mini-esplanada da caravana sem que eu tivesse reparado, demasiado absorta no meu acordar para a realidade. Levantei-me rapidamente e corri desesperada empurrando a multidão na esperança vã de ver o homem das barbas. Corri, espreitei, gritei, chorei até que cheguei junto da minha barraquinha exausta e desesperadamente arrependida e só. Deixei-me deslizar para o chão sentindo que o barulho natural da feira parecia ecoar cada vez mais baixo nos meus ouvidos. Desatei num choro convulsivo que só parou quando um simpático transeunte me tocou com as mãos suadas de carregar os sacos repletos de compras e me levantou com os braços fortes. Não me lembro da sua aparência; apenas da voz grossa e reconfortante que me disse:
-Não fique assim, a vida é bela e é só para se viver uma vez. Veja o lado bom que se esconde por detrás do mau. Fique bem!
Quando olhei em frente, já não vi viva alma, só um bilhete pendurado na porta da minha barraquinha que, numa letra trémula e sumida, dizia: OBRIGADO.
Senti um arrepio na espinha que parece estar a manifestar-se neste momento, alguns meses depois daquele dia que mudou a minha vida por ter conhecido o ser humano mais extraordinariamente bom que se possa imaginar. Decidi vir até este monte maravilhoso, aproveitando o dia em que não há feira e em que completo 21 anos de idade para gravar este momento único. Que bom é ver o mar até à linha do horizonte e ficar contente por isso, nada mais. Não preciso de ver o que os outros pensam para ser feliz.
Preciso de saber ver.
E o homem das barbas ainda me agradeceu...
Para ler (se estiverem com paciência)e pensar...
O dia amanheceu solarengo no bairro dos Barquinhos. Do alto deste monte, os telhados já envelhecidos pelo tempo parecem hoje mais encantadores. As paredes das casas resplandecem numa alvura acentuada pelo sol que se dignou cumprimentar-nos. Já era altura...depois de quase um mês escondido pelas monstruosas nuvens cinzentas e a chuva abundante que tornou as noites dos meus vizinhos pescadores num tormento imensurável, tinha de haver uma bonança.
É bom estar aqui sozinha a gozar a paz que só este mar imenso proporciona. Não sei como seria a minha vida sem o mar, sem ver a azáfama do mestre Augusto e dos outros pescadores, a quem o sol e o sal roubaram anos de vida evidentes na pele enrugada dos seus rostos.
Gosto de ficar assim, a olhar o que parece acabar lá ao fundo, na linha do horizonte. Os problemas parecem evaporar-se e a vida ganha novos contornos aqui no cimo do monte que se ergue sobre esta beleza azul. E o que hoje já tive de ouvir até chegar a este lugar... Ao correr ansiosamente nesta direcção, passei pelo adro da igreja, onde os pássaros chilreavam de alegria e eram a música de fundo para as conversas banais que sempre acontecem quando o tempo meteorológico nos brinda com um dia de Primavera. Não pude deixar de escutar os comentários do costume:
- Pobre Dalila, sempre tão longe da terra. A lua seria o melhor sítio para esta moça viver...
- Que raio de rapariga, sempre a correr sem destino... Para quê tanta pressa?- Enfim, já me acostumei a estes comentários, especialmente se vêem da linguaruda D. Alcina, cuja forma preferida de passar o tempo é observar o tempo dos outros.
Sempre foi assim a D. Alcina. Desde que sou dez reis de gente lembro-me de como, ao jantar, a minha mãe se queixava das bisbilhotices desta nossa vizinha: ou era porque a senhora vinha constantemente à janela sempre que a minha mãe chegava carregada das compras, ou porque se entretinha a falar da nossa vida à vizinhança ou mesmo porque tinha a audácia de fazer as perguntas pessoais mais descabidas que se possa imaginar. Mas, no fundo , é à D. Alcina que devo o facto de ter conhecido a pessoa mais estranha e interessante que já alguma vez sonhei conhecer. Se não fosse a sua língua comprida, nunca uma pessoa como aquela teria descoberto a minha barraquinha dos desejos.
Foi numa manhã luminosa e primaveril como esta, durante a habitual Feira Mensal do Fantástico que, estando eu por detrás do balcão do meu estabelecimento, um homem com umas barbas longas e amareladas, a fazer lembrar a espuma das ondas fundida com a poluição das águas, parou à minha frente exclamando entre dentes:
- O QUE GOSTARIA DE VER? REALIZO O SEU DESEJO NUM ABRIR E FECHAR DE OLHOS. Se for verdade, é isto mesmo que quero...
- Como posso ajudá-lo, caro senhor? - perguntei amavelmente.
- Olhe menina - respondeu-me com uma voz soturna - se o que se propõe fazer for mesmo verdade, vai ser a responsável pela conquista da minha felicidade, após tantos anos.
- Pois é para isso que aqui estou. – respondi . Na minha barraquinha concretizam-se os desejos mais apetecidos dos clientes. Qual é o desejo que lhe fará conquistar a felicidade?
- Desejo ver apenas até onde a vista alcança.- afirmou decidido.
Sem compreender o seu desejo, já que o homem não aparentava sofrer de cegueira, tentei compreender melhor aquele pedido, mas obtive sempre a mesma resposta.
Querendo justificar-lhe a minha estranheza, argumentei que mensalmente me apareciam pessoas com os desejos mais díspares. Uns ansiavam por ver a vida dos vizinhos, a Dona Alcina só não o fez por vergonha, outros queriam ver o que se passava nas longas reuniões do Conselho de Estado ou uma cena erótica. Havia quem simplesmente desejasse ver crianças a sorrir ou idosos a ser alvo de admiração pelos mais novos. No fundo, a minha barraquinha concretizava desejos de ver para além do habitual, mas agora aparecia uma pessoa a pedir para ver apenas até onde a vista alcança. Mas isso não era aquilo que se vislumbrava no pacato dia-a-dia? Para quê pedi--lo numa Feira do Fantástico?
- Menina - explicou calmamente a misteriosa figura - desejo ver as coisas tal como elas são e nada mais. Quero deixar de ver o que o que se passa na mente dos outros. É um martírio insuportável olhar para alguém e ver o que essa pessoa está a pensar porque vejo quase sempre violência, inveja, ganância, egoísmo, enfim, vejo o lado podre da espécie humana. Desloquei-me até esta feira e fui informado por uma senhora que, ao ver-me perdido no meio da confusão, me indicou que o melhor sítio para ver o que desejava era a Barraquinha dos Desejos. Atravessei todo este mar de gente e o meu coração bateu mais forte quando li este letreiro por cima das nossas cabeças - o homem apontava insistentemente para o que estava escrito numa tinta muito gasta sobre uma madeira mais envelhecida do que a própria barraca e que era, de facto, a promessa de ver o que se desejasse.
- Por favor, termine com este meu dom que só me faz um velho infeliz. Deixe-me ver apenas até onde a vista alcança!...- ao dizer isto, o homem baixou-se e pareceu começar a desfalecer. Foi então que saí espavorida do interior da minha barraquinha e lhe dei uma cadeirinha de verga onde costumava sentar-me a ler nos momentos de menor afluência.
Depois de o abanar com insistência e de me certificar que não seria testemunha da morte de um potencial cliente, comecei um discurso que a mim própria me impressionou, e ainda hoje impressiona, pela força extraordinária que consegui imprimir à faculdade da visão:
- Perdoe-me a insistência nas minhas dúvidas, mas não o consigo compreender. A abertura dos olhos é e sempre foi uma abertura ao conhecimento. Para nós, comuns mortais, a visão, com as suas funções normais, já é tão importante... Imagine a sua... Na África Central, a importância dada ao sentido da visão é tanta, que nas poções mágicas usam-se olhos humanos ou mesmo de animais; entre os Egípcios, o olho pintado era um símbolo sagrado, que se pode ainda encontrar em quase todas as obras de arte. O olho é, num sentido universal, o símbolo da percepção intelectual. Se pensarmos nos poderes reais dos seus olhos, então essa visão atinge níveis altíssimos... Que diriam os antigos egípcios se, regressados dos seus sarcófagos monumentais, soubessem que no mundo havia alguém com o maravilhoso poder de ver para além do que a vista alcança?
Durante todo o meu discurso argumentativo, a figura das barbas limitava-se a abanar a cabeça languidamente e após alguns momentos em que apenas se ouvia o bulício da feira com os diferentes pregões a prometer as mais variadas coisas, o homem afirmou de uma forma que denunciava a sua crescente impaciência para me ouvir:
- Menina, só quem não sabe o que é ver o que os outros pensam, diz o que acabou de me dizer. Por exemplo, ao entrar no espaço desta feira, pisei acidentalmente um senhor que, não obstante o meu pedido de sinceras desculpas, me viu, em pensamento, esmagado por uma enorme pedra. E os políticos que ontem na televisão aparentavam discutir civicamente as opiniões divergentes, estavam, afinal, a tentar pensar na melhor forma de destruir a campanha eleitoral um do outro. E a menina, que neste momento parece estar verdadeiramente preocupada com a minha angústia, vê em mim um perfeito idiota e mal agradecido pelo suposto dom que me foi estranhamente concedido.
Naquele momento senti-me verdadeiramente assaltada na minha intimidade e esforcei-me por pensar apenas no belo dia primaveril que espalhava generosamente o astro rei por todo o lado. Mas tudo em vão. O homem continuava a bombardear-me com os meus pensamentos negativos em relação à sua figura. Foi então que gritei:
- Basta! Se o que quer é passar a ver apenas até onde a vista alcança, procure um psiquiatra ou um médico qualquer. O que o senhor vê é certamente fruto da sua imaginação e na minha barraquinha eu proporciono visões fora do normal e bem palpáveis. Lamento, mas não posso ser-lhe útil.
Nesse instante, o homem sugeriu-me que encerrasse momentaneamente o estabelecimento para conversarmos de forma mais recatada. Após alguma insistência, desci os estores da barraquinha e escrevi um bilhete em papel amarrotado onde podia ler-se: VOLTO JÁ.
Nunca hei-de apagar da memória aqueles breves instantes em que segui o estranho homem das barbas. Visto de trás, não parecia tão velho, já que se movimentava agilmente e com decisão. Foi incrível ver como conseguia passar pelas muitas pessoas que, pelo seu elevado número em tão pouco espaço, pareciam engolir-nos desenfreadamente.
- Não quer ser empurrada? - perguntou de forma provocadora a uma senhora de forma generosas que, com o seu volume corporal, obstruía a nossa passagem. - Então tenha o cuidado de dar passagem a quem tem pressa. Não tenho medo do seu marido...
A mulher afastou-se e respondeu com um ar interrogativo:
- Mas eu não disse nada!
- Mas pensou... – respondi imediatamente, compreendendo a situação.
Naquele momento percebi que tinha presenciado o dom do homem das barbas em acção e, quando finalmente parámos numa zona mais sossegada onde se dava comida aos animais, não pude deixar de reparar no seu ar angustiado e tentei tranquilizá-lo. No entanto, a sua angústia parecia aumentar:
- Mas não reparou como fui rude para com aquela pobre mulher cuja única forma de defesa é desejar que o marido alto e gordo esteja ao seu lado para a proteger de homens desagradáveis como eu? – perguntou desgostoso. - É que fiquei assustado com o pensamento dela. O homem era tão grande... Se não visse o que vai na mente dos outros, tinha sido mais cordial, limitando-me a um simples “Dá-me licença?”
Notei , da parte do homem, uma predisposição total para falar e ser ouvido, pelo que lhe sugeri que nos sentássemos na mini-esplanada da caravana das farturas, embora passados alguns instantes me tenha arrependido, ao pensar em como iria conseguir voltar a vestir aquela roupa sem sentir o cheiro enjoativo dos doces fritos. O homem sentou-se e pediu ao empregado que palitava os dentes atrás do balcão dois sumos naturais com gelo. Depois do rapaz nos ter avisado que - Sumos, só de garrafa - resolvemos não ser esquisitos e lá fizemos o moço parar de palitar os restos de fartura dos dentes mal tratados e trazer-nos as bebidas. Antes que eu lhe pudesse perguntar o nome, o homem cortou-me a fala afirmando que não o diria, porque nunca concordara com as pessoas etiqueta. A diferenciação era feita pela personalidade e aspecto físico, não era preciso dar um nome próprio. “Homem das barbas” estava muito bem, o que, uma vez mais me fez sentir totalmente controlada no pensamento. Começou por contar-me que desde pequeno se sentia esmagado pelo poder extraordinário da sua visão. Desde o momento em que facilmente percebeu que não fora um filho desejado, passando pela sua adolescência quando via que nenhum dos colegas de escola tinha paciência para as suas conversas esotéricas, ou quando o seu primeiro amor era afinal uma mulher que ansiava por uma aventura com um excêntrico para depois contar às amigas em sessão de “chá das tias” a experiência alucinante, mas a não repetir, terminando com a angústia do dia-a-dia sempre que via a podridão que pairava nas mentes daqueles que o rodeavam.
- Acha que a minha vida tem sido fácil? Acredita mesmo que, para mim, a abertura dos olhos é sinónimo de alegria todas as manhãs ou que é uma forma de conhecimento intelectual? Ainda pensa que só vejo para além do normal porque tenho uma imaginação fértil? – perguntava abrindo os olhos de forma assustadora.
Aquele era de facto um dia marcante na minha vida. Um homem com um dom extraordinário tentava convencer-me a torná-lo num homem comum e com uma visão humanamente limitada. Nunca me tinha ocorrido que, depois de frequentar o Curso Profissional do Fantástico, na variante de Desejos da Visão, me iria deparar com alguém portador de um desejo tão banal e aniquilador dos meus próprios desejos de ver para além do que a vista alcança. Lembro-me de quando o mestre Mago me disse que não me podia satisfazer o desejo de ver o que os outros pensam, porque, ao fazê-lo, estaria a tornar-me em alguém acima dos comuns mortais e essa omnisciência só devia acontecer em obras literárias, nunca na vida real.
Senti então uma força interior, que nem agora consigo compreender, que me impeliu a afirmar com toda a certeza:
- Pode contar com os meus humildes préstimos, mas apenas se aceitar a troca do seu dom de ver para além do que a vista alcança pelo meu dom de conceder aos outros a visão pretendida.
O homem pareceu não acreditar no que ouvia e abanava a cabeça em sinal de desaprovação. Eu, como que possuída por uma força estranha e dominadora, continuava com a proposta de troca de dons, cada vez mais obcecada:
- Vá, não queria deixar de ver a mente dos outros? Não queria viver sem o sobressalto de ver a próxima desgraça no pensamento de um qualquer? Porque abana a cabeça? Se trocar comigo, passará a ajudar os outros a ver aquilo que sempre viu durante toda a vida: o que está para além do humanamente visível. Quanto a mim, poderei concretizar o meu sonho de criança e ver tudo o que os olhos dos outros não alcançam. Será uma troca em nome da felicidade mútua, não lhe parece?
O cheiro a farturas era cada vez mais insuportável e o calor que vinha de dentro de mim tornava-se sufocante. O homem das barbas olhava-me mais assustado do que chocado e, de repente, explodiu numa choradeira convulsiva que parecia nunca mais ter fim. Os seus ombros tremiam como varas verdes e a cabeça larga parecia agora um ratinho assustado que quase desaparecia por entre as pernas longas e vestidas com umas calças que, só então eu reparara, estavam repletas de remendos e nódoas na zona dos joelhos. Ao vê-lo numa consumição crescente, não consegui evitar sentir pena daquela figura com um ar desesperado e perdido no meio de tanto sofrimento. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, tal como já acontecera, o homem das barbas adiantou-se:
- Não me tente consolar! A menina não percebeu nada. Como é possível ter pena de mim porque me vê neste estado e, mesmo assim, querer ter o meu maldito dom. Troca de dons? Nunca! Tudo o que quero é sentir a prazer de ser normal sem qualquer característica extraordinária. Esse Curso do Fantástico que tirou serviu-lhe para ser feliz? Sente-se realmente bem porque tem o dom de conceder aos outros a visão pretendida? Então continue! Não quero o seu dom e prefiro nunca deixar o meu a transferi-lo com todo o meu sofrimento para outro ser humano. Não volte a pensar em tal acordo. Nunca queira ver mais do que a vista alcança em termos físicos. Procure antes descobrir o belo onde o feio e o mau parecem imperar. Veja e sinta os prazeres da vida de forma sublime, dando largas à imaginação e captando a segunda verdade das coisas. Não veja o óbvio, veja o que se esconde por detrás da aparência. Use o seu intelecto. Mas nunca sonhe sequer em ver a mente dos outros. Isso é viver com um sentimento de culpa constante por entrar na privacidade alheia, por ver o mal que paira no pensamento humano – fez um pausa sugerindo reflexão e continuou:
- Disse-lhe, no início da nossa conversa, que queria ver apenas até onde a vista alcança. Referia-me àquilo que a vista pode alcançar fisicamente. Queria passar a interpretar aquilo que normalmente se vê todos os dias. O meu sonho é olhar para alguém e, tal como o comum dos mortais, não ver o que vai na sua mente, mas ter a maravilhosa capacidade que me falta para interpretar os seus movimentos, o seu olhar e ter vontade de privar com essa pessoa para a conhecer melhor. No fundo, quero poder usar aquilo que nos distingue dos animais: a razão e a imaginação. – olhava-me de forma cada vez mais fixa e envolvente
- No entanto – continuou - depois de a ouvir, percebi que não consegue satisfazer o meu desejo, se não o fizer através de uma troca de dons. É com muita dor que constato ter perdido a última oportunidade que me restava para realizar o meu sonho. Mas não perdi a ocasião de ser feliz porque vou continuar com o meu maldito dom e sofrer sozinho. Nunca seria capaz de comodamente transferir o sofrimento da minha existência - ao dizer isto, levantou-se lentamente enquanto eu sentia uma chuva de emoções sobre a minha mente. Não conseguia raciocinar depois do que acabara de ouvir. Várias vozes cruzavam-se dentro de mim. Umas diziam-me:
-Bem feito!
Outras gritavam:
-Barraquinha dos Desejos...
-Não queiras ver a mente!
-Não queiras ser como ele!...
Lentamente fui recuperando e senti que a razão parecia acenar-me do fundo do cérebro. Tudo se tornara subitamente claro. Que tonta e gananciosa fora ao desejar um dom extraordinário como o daquele homem que só fazia sofrer... E, ao chegar a tal conclusão, olhei para a minha frente com o intuito de lhe agradecer o acto profundamente altruísta que tivera ao poupar-me ao sofrimento e continuar ele a padecer daquele dom maldito que atrofiava os poderes intelectuais e destruía qualquer sentimento de felicidade e auto-estima. Mas, tarde demais. O homem desaparecera da mini-esplanada da caravana sem que eu tivesse reparado, demasiado absorta no meu acordar para a realidade. Levantei-me rapidamente e corri desesperada empurrando a multidão na esperança vã de ver o homem das barbas. Corri, espreitei, gritei, chorei até que cheguei junto da minha barraquinha exausta e desesperadamente arrependida e só. Deixei-me deslizar para o chão sentindo que o barulho natural da feira parecia ecoar cada vez mais baixo nos meus ouvidos. Desatei num choro convulsivo que só parou quando um simpático transeunte me tocou com as mãos suadas de carregar os sacos repletos de compras e me levantou com os braços fortes. Não me lembro da sua aparência; apenas da voz grossa e reconfortante que me disse:
-Não fique assim, a vida é bela e é só para se viver uma vez. Veja o lado bom que se esconde por detrás do mau. Fique bem!
Quando olhei em frente, já não vi viva alma, só um bilhete pendurado na porta da minha barraquinha que, numa letra trémula e sumida, dizia: OBRIGADO.
Senti um arrepio na espinha que parece estar a manifestar-se neste momento, alguns meses depois daquele dia que mudou a minha vida por ter conhecido o ser humano mais extraordinariamente bom que se possa imaginar. Decidi vir até este monte maravilhoso, aproveitando o dia em que não há feira e em que completo 21 anos de idade para gravar este momento único. Que bom é ver o mar até à linha do horizonte e ficar contente por isso, nada mais. Não preciso de ver o que os outros pensam para ser feliz.
Preciso de saber ver.
E o homem das barbas ainda me agradeceu...
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